02/10/2024 às 13h44min - Atualizada em 03/10/2024 às 16h03min

O ciclo de pobreza e o desafio das mulheres negras para alimentar as suas famílias

Karoline Albini Schast*

JULIA ESTEVAM
Rodrigo Leal

A insegurança alimentar no Brasil é um problema crescente, e seus impactos recaem de maneira desproporcional sobre determinados grupos. Entre esses, as mulheres, especialmente as mulheres negras, que são as mais afetadas. A realidade dessa disparidade revela não apenas questões socioeconômicas, mas também uma manifestação de racismo estrutural, que se desdobra no racismo alimentar.  

De acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2020, conduzida pelo IBGE, 36,7% dos domicílios brasileiros estavam em situação de insegurança alimentar. Entretanto, quando observamos esses dados sob uma perspectiva de gênero e raça, a disparidade é alarmante. Mulheres chefes de família negras estão entre as mais vulneráveis: 60% dessas famílias enfrentam algum grau de insegurança alimentar, enquanto esse número é de 42% para as mulheres brancas. Esses números refletem uma realidade de desigualdade que não pode ser ignorada. 

O conceito de racismo alimentar se refere às desigualdades no acesso a alimentos saudáveis e de qualidade, que afetam desproporcionalmente as populações negras. Isso ocorre devido a uma série de fatores, incluindo discriminação no mercado de trabalho, menor acesso a políticas públicas de apoio e residências em áreas periféricas, onde a oferta de alimentos frescos e saudáveis é escassa e onde domina a oferta de alimentos de baixa qualidade nutricional e ultraprocessados, áreas estas conhecidas como “desertos alimentares”. Além disso, a herança colonial e o racismo estrutural influenciam diretamente na forma como os alimentos são distribuídos e acessados no Brasil. Historicamente, comunidades negras têm sido marginalizadas, com acesso limitado a recursos essenciais, incluindo alimentação adequada. Esse ciclo de pobreza e insegurança alimentar afeta principalmente as mulheres, que, além de enfrentarem discriminação racial, sofrem com a desigualdade de gênero. 

As consequências da insegurança alimentar para essas mulheres e suas famílias são devastadoras. A falta de acesso a uma alimentação adequada aumenta o risco de desnutrição, doenças crônicas e problemas de saúde mental. As mulheres negras enfrentam maior dificuldade em sair desse ciclo, devido à sobrecarga de responsabilidades domésticas e à menor inserção no mercado de trabalho formal, o que limita sua capacidade de buscar alternativas. 

Para mitigar essas desigualdades, é fundamental que políticas públicas sejam direcionadas especificamente para esses grupos. Programas de assistência alimentar, como o Bolsa Família (agora Auxílio Brasil), precisam ser fortalecidos e ampliados, garantindo que alcancem as famílias mais vulneráveis. Além disso, é essencial a criação de políticas específicas que combatam o racismo estrutural, tanto no acesso ao mercado de trabalho quanto na distribuição de recursos alimentares.  

A educação alimentar e nutricional também desempenha um papel crucial, devendo ser acessível e inclusiva, respeitando a diversidade cultural e as necessidades específicas das populações negras. O incentivo à agricultura familiar, principalmente em comunidades negras e quilombolas, pode ser uma solução sustentável e eficaz para reduzir a insegurança alimentar. 

A sensibilização da sociedade para essa realidade é igualmente importante. O racismo alimentar não é um problema exclusivo das mulheres negras, mas de toda a sociedade. Aqui podemos mais uma vez fazer jus a frase da grande ativista Angela Davis “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”. Combater essas desigualdades é uma responsabilidade coletiva, que começa com a conscientização e a pressão por políticas públicas mais justas e inclusivas. A luta contra a insegurança alimentar passa pelo combate ao racismo estrutural em todas as suas formas. Apenas quando esses dois problemas forem tratados de maneira conjunta, poderemos começar a construir uma sociedade mais equitativa. 

 

(*) Karoline Albini Schast é nutricionista, especialistas em comportamento e fitoterapia. Professora do Bacharelado de Nutrição do Centro Universitário Internacional Uninter. 


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JULIA CRISTINA ALVES ESTEVAM
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