Decisão histórica do Tribunal de Turim desafia nova lei e abre precedente para milhões de descendentes

Juiz reconhece direito de bisneto após mudança legislativa e envia caso à Corte Constitucional, criando expectativa de jurisprudência favorável

ANDREIA SOUZA
25/09/2025 16h17 - Atualizado há 4 horas

Decisão histórica do Tribunal de Turim desafia nova lei e abre precedente para milhões de descendentes
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Uma decisão do Tribunal de Turim, na Itália, reacendeu as esperanças de milhões de brasileiros descendentes de italianos que viram seu direito à cidadania ser drasticamente limitado pela nova legislação aprovada em 2025. Em julgamento realizado no final de junho, o juiz Fabrizio Alessandria não apenas reconheceu o direito de um bisneto à cidadania italiana após a entrada em vigor das novas regras restritivas, como também questionou a constitucionalidade da lei, enviando o caso para análise da Corte Constitucional italiana.

A sentença, considerada histórica por especialistas, representa o primeiro posicionamento do Judiciário italiano sobre processos protocolados após a vigência do Decreto-Lei nº 36/2025, convertido na Lei nº 74/2025, que passou a restringir o reconhecimento da cidadania apenas a filhos e netos de italianos nascidos na Itália, excluindo bisnetos e gerações posteriores.

O ponto central da decisão foi a interpretação de que a nova regra fere o artigo 1º do Código Civil Italiano, que proíbe a retroatividade das leis. Segundo o magistrado, o dispositivo legal questionado representa "uma revogação implícita e retroativa da cidadania italiana, sem qualquer base constitucional legítima", ferindo gravemente os princípios da igualdade, da confiança legítima e da segurança jurídica.

"Esta decisão marca um divisor de águas no cenário jurídico da cidadania italiana. O Tribunal de Turim reconheceu que o direito à cidadania por descendência é originário e não pode ser simplesmente revogado por uma lei posterior, especialmente quando afeta direitos já consolidados ao longo de mais de um século", analisa Vinicius Gama, sócio-fundador, da Pátria Cidadania, empresa especializada em processos de reconhecimento de cidadania italiana.

A argumentação do juiz Alessandria ressalta que a cidadania iure sanguinis sempre foi reconhecida como um direito originário do descendente de italiano, e não como um benefício sujeito a prazos administrativos. "Estamos falando de um princípio fundamental do direito italiano que existe desde 1912 e que não pode ser alterado de forma arbitrária", complementa Gama.

Os dados mais recentes mostram a magnitude do fenômeno. Segundo pesquisa divulgada pela Associação Nacional dos Oficiais de Estado Civil e Registro (Anusca) da Itália, em 2023 foram reconhecidas ao menos 61,3 mil cidadanias por direito de sangue a descendentes de italianos. Os brasileiros representaram impressionantes 68,5% dos casos – quase sete em cada dez reconhecimentos.

Em 2024, esse número cresceu ainda mais: 68.841 brasileiros tiveram sua cidadania italiana reconhecida, de um total de 113.221 cidadanias atribuídas a descendentes no exterior. O Consulado-Geral da Itália em São Paulo registrou um aumento de 11% no número de inscritos no AIRE (registro de italianos no exterior), totalizando quase 383 mil cidadãos em 2024.

"O Brasil abriga uma das maiores comunidades de descendentes de italianos fora da Itália, com estimativas que apontam para cerca de 30 milhões de pessoas com direito potencial à cidadania. A decisão do Tribunal de Turim representa uma luz no fim do túnel para essas famílias", destaca Vinicius Gama, da Pátria Cidadania.

A decisão de Turim não é isolada. Ela se soma a outras arguições de inconstitucionalidade já submetidas à Corte Constitucional por tribunais de Bolonha, Roma, Florença e Milão, embora estes tenham apresentado perspectivas diferentes sobre o tema. A audiência histórica realizada em 24 de junho de 2025 na Corte Constitucional em Roma foi considerada a mais concorrida da história do tribunal, com a presença de milhares de ítalo-descendentes.

A expectativa agora é que a decisão do Tribunal de Turim crie jurisprudência favorável para casos similares em toda a Itália. Tribunais como o de Veneza, que registrou um crescimento de 124% nos processos de cidadania e tem audiências marcadas até 2028, aguardam o posicionamento da Corte Constitucional para definir como proceder com milhares de ações pendentes.

A decisão também pode influenciar a tramitação de recursos já em andamento. Em julho de 2025, a Corte Constitucional publicou a sentença nº 142/2025, que reafirmou a validade da cidadania italiana por descendência para processos anteriores ao decreto, estabelecendo que "o status civitatis fundado no vínculo de filiação tem caráter permanente e é imprescritível".

Diante do cenário de incerteza jurídica, associações de ítalo-descendentes no Brasil e na Argentina têm se mobilizado para acompanhar os desdobramentos do caso. Grupos nas redes sociais somam centenas de milhares de membros que compartilham informações, documentos e estratégias jurídicas.

"Estamos vivendo um momento crucial para a comunidade ítalo-brasileira. A decisão de Turim nos dá esperança de que nossos direitos históricos sejam preservados. Não é apenas sobre um passaporte, é sobre identidade, pertencimento e o reconhecimento de laços familiares que atravessam gerações", ressalta Vinicius Gama.

A Corte Constitucional italiana deve analisar o caso entre o final de 2025 e o início de 2026. Três cenários são possíveis: a declaração de inconstitucionalidade total da nova lei, mantendo o direito irrestrito à cidadania por descendência; a inconstitucionalidade parcial, preservando alguns aspectos da restrição; ou a validação integral da lei, confirmando as limitações impostas.

Enquanto isso, advogados especializados recomendam que descendentes interessados não desistam de seus processos. "Mesmo com as restrições, existem caminhos jurídicos viáveis. A decisão de Turim mostra que o Judiciário italiano está sensível aos argumentos constitucionais e pode oferecer proteção aos direitos dos descendentes", orienta XX.

Para aqueles que já haviam iniciado seus processos antes de 27 de março de 2025, a situação permanece protegida pelas regras anteriores, conforme confirmado pela própria Corte Constitucional. "É fundamental que essas pessoas continuem com seus processos normalmente, pois seus direitos estão garantidos", enfatiza XX, da Pátria Cidadania.

A batalha jurídica em torno da cidadania italiana reflete tensões mais amplas sobre identidade, migração e pertencimento no mundo globalizado. De um lado, o governo italiano, liderado pela primeira-ministra Giorgia Meloni, argumenta a necessidade de controlar o que chama de "turismo de passaportes". De outro, milhões de descendentes defendem o reconhecimento de vínculos históricos e culturais legítimos.

"O que a decisão do Tribunal de Turim demonstra é que o direito não pode ignorar a história. Durante mais de um século, a Itália reconheceu seus filhos espalhados pelo mundo. Não é justo nem constitucional cortar esses laços de forma abrupta", conclui Gama, que vê na decisão judicial um marco importante na defesa dos direitos dos ítalo-descendentes.


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Andreia Souza Pereira
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