Liderar para a sustentabilidade: o desafio é “para dentro” e para os que se importam

Ricardo Voltolini

TATIANA FERRADOR
04/09/2025 14h36 - Atualizado há 10 horas

Liderar para a sustentabilidade: o desafio é “para dentro” e para os que se importam
Divulgação
Para Gus Speth, fundador do World Resources Institute, os grandes problemas ambientais de nosso tempo seriam a perda de biodiversidade, o colapso dos ecossistemas e as mudanças climáticas. Temas graves, sem dúvida, mas solucionáveis com trinta anos de boa ciência. Passado algum tempo, reviu sua convicção: “Estava errado. Os principais problemas ambientais são o egoísmo, a ganância e a apatia. E para lidar com eles, precisamos de uma transformação espiritual e cultural”, concluiu.

A análise, incômoda e provocativa, não é isolada. Porta-vozes influentes da sustentabilidade, como Paul Polman, Klaus Schwab, Paul Hawken, Al Gore, Peter Senge e John Elkington, sustentam a mesma ideia central: não nos faltam tecnologia, inovação nem recursos financeiros para viabilizar uma economia de baixo carbono. O que falta é liderança orientada por valores e comprometida com impacto positivo. Essa carência explica por que tantas metas ambientais continuam distantes, apesar do avanço das soluções técnicas.


Vivemos em meio ao que alguns chamam de policrise — econômica, social, climática, ambiental e geopolítica. Mas cresce a percepção de que essa crise múltipla é, na verdade, efeito de uma crise mais profunda: a de valores. Falta humanidade e sobra indiferença nos processos de decisão. O resultado é a predominância de interesses políticos e empresariais imediatistas sobre os interesses da sociedade e do planeta. Exemplos ruins não faltam, no Brasil e no mundo, e ajudam a corroer a confiança social nas instituições.

Esse diagnóstico não é novo. Em 2008, durante a crise financeira global, dirigentes da Universidade de Harvard reconheceram, em público, o papel de ex-alunos na criação da bolha especulativa que levou à quebra de bancos e à recessão. Não faltou a eles conhecimento técnico, tampouco habilidade de gestão. O que faltou foi atitude — o terceiro vértice do conceito clássico de competência, ao lado do saber e do saber fazer. Atitude nasce de valores, princípios e crenças, moldados ao longo da vida, e define a capacidade de escolher o caminho certo mesmo sob pressões intensas.

Essa constatação orientou a minha própria trajetória de pesquisa. Ao longo dos anos, entrevistei mais de 300 executivos, estudei autores que tratavam do tema e sistematizei reflexões em livros e artigos. Dessa caminhada nasceu a Teoria das 4 Competências Atitudinais: cuidadora, inclusiva, íntegra e ecocêntrica. Em torno delas, identifiquei 20 características distintivas que diferenciam líderes movidos por valores daqueles que apenas repetem padrões convencionais de comando.

Em 2022, encontrei convergência entre minhas investigações e os Inner Development Goals (IDGs), uma iniciativa nórdica concebida para apoiar a aceleração dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Dois aspectos tornam o movimento singular. O primeiro é a convicção de que a saída para a policrise é, antes de tudo, “para dentro”: sem transformação interior, não haverá transformação sistêmica. O segundo é o processo de cocriar, com mais de mil especialistas em todo o mundo, um framework instigante com cinco dimensões — Ser, Pensar, Relacionar-se, Colaborar e Agir — e 23 competências práticas, ou seja, comportamentos capazes de fortalecer a transformação pessoal.

Esse conjunto funciona como uma bússola para líderes que precisam navegar por mares turbulentos, oferecendo equilíbrio emocional e segurança psicológica. Os IDGs estimulam presença, autoconsciência, empatia, pensamento crítico, visão sistêmica, colaboração e resiliência. Não substituem o conhecimento técnico exigido para a gestão em tempos complexos, mas o complementam de forma decisiva, ao cultivar qualidades humanas indispensáveis. Hoje já estão presentes em mais de 700 hubs em 90 países, reunindo governos, empresas e organizações da sociedade civil.

No fundo, tudo se resume ao verbo importar-se. Sua origem latina, importare, significa “trazer para dentro”. Com o pronome reflexivo sibi, adquire o sentido de considerar algo como parte de si, atribuir importância, cuidar. Só nos mobilizamos para aquilo que reconhecemos como relevante para a nossa vida e alinhado aos valores que orientam nossas escolhas. O oposto de importar-se é a indiferença.

E o mundo, convenhamos, já está repleto de indiferentes. Por isso, liderar para a sustentabilidade é um desafio que começa de dentro. E só poderá ser enfrentado por aqueles que realmente se importam.

*Ricardo Voltolini é um dos pioneiros em sustentabilidade empresarial e ESG no Brasil. Formado em Jornalismo, especializou-se em sustentabilidade e, ao longo de quase três décadas, conduz  a Ideia Sustentável, que oferece soluções em estratégia, educação e gestão do conhecimento voltadas para ESG e sustentabilidade empresarial. Voltolini também é idealizador da Plataforma Liderança com Valores, o maior movimento de liderança para a sustentabilidade no Brasil. Ao longo de sua carreira, já atendeu mais de 350 empresas e realizou mais de 2.000 palestras e workshops sobre temas como gestão de sustentabilidade, liderança sustentável, ética e compliance. É autor de 12 livros, entre os quais se destaca, Conversas com Líderes Sustentáveis , Escolas de Líderes Sustentáveis, Sustentabilidade no Coração do Negócio (2015) e Vamos Falar de ESG? Provocações de um pioneiro em sustentabilidade empresarial. Além disso, é curador da Pós-Graduação ESG, Liderança e Inovação da FAAP/UOL Editech e diretor de Sustentabilidade da ABRH-Brasil e atua como curador e coordenador do Fórum de ESG para RH.


 

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Tatiana Ferrador Neix de Brito
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FONTE: Ideia Sustentável
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