Brasil assiste ao primeiro duelo político moldado por inteligência artificial, especialista comenta 

Uso simultâneo de IA preditiva e generativa inaugura nova era nas campanhas eleitorais, marcada pela manipulação emocional em tempo real e desafios à democracia

FERNANDA KRAU
08/07/2025 09h36 - Atualizado há 11 horas

Brasil assiste ao primeiro duelo político moldado por inteligência artificial, especialista comenta 
Marcus Vinícius Noronha

O Brasil acaba de testemunhar o que especialistas já classificam como o primeiro grande duelo político inteiramente moldado por inteligência artificial. Em lados opostos, PT e União Progressista lançaram mão de tecnologias preditivas e generativas para influenciar o comportamento dos eleitores, não mais com base em discursos ou programas, mas em algoritmos capazes de ler, prever e provocar emoções com precisão inédita.

“O que vimos foi só o prólogo de uma revolução”, afirma Marcelo Senise, presidente do IRIA – Instituto Brasileiro para a Regulamentação da Inteligência Artificial. “Não se trata mais de propaganda. É uma engenharia emocional baseada em dados. Os partidos estão deixando de disputar ideias e passando a competir por quem manipula mais sentimentos em menos tempo.”

Na prática, a chamada IA preditiva monitora em tempo real o humor da população nas redes sociais, antecipa reações e ajusta as mensagens de acordo com os picos de sensibilidade de cada grupo. Já a IA generativa cria conteúdos, entre textos, imagens, vozes e vídeos, que se adaptam ao perfil emocional de cada segmento, gerando peças políticas extremamente personalizadas. “É como se a campanha fosse feita sob medida para cada cidadão, no instante em que ele está mais vulnerável”, explica Senise, que também é especialista em inteligência artificial aplicada à comunicação política.

Um relatório da Universidade de Stanford, publicado em abril de 2025, revelou que 83% dos eleitores norte-americanos expostos a campanhas alimentadas por IA relataram não saber distinguir conteúdos reais de fabricados, enquanto 61% mudaram de opinião sobre um tema político após interações com peças geradas por IA. No Brasil, dados da FGV DAPP apontam que mais de 40% das interações em postagens políticas no X (antigo Twitter) durante os últimos três meses foram impulsionadas por redes automatizadas ou IA, muitas delas com forte apelo emocional.

Segundo Marcelo Senise, o PT utilizou a IA generativa para amplificar o sofrimento social, com vídeos que abordam a preocupação de mães com o futuro dos filhos, o drama de pequenos comerciantes e a angústia da população mais afetada pela carga tributária. “O roteiro é resultado de milhões de dados processados, não mais de um palpite de marqueteiro genial”, destaca.

Além disso, o partido também mobilizou estrategicamente uma rede de influenciadores digitais, conectando a estrutura algorítmica com vozes populares nas redes. Muitos desses criadores de conteúdo receberam materiais prontos, com orientações de linguagem e momento de publicação definidos por IA, otimizando o alcance e o impacto emocional. “Essa aliança entre inteligência artificial e influência humana cria um ecossistema poderoso: o algoritmo indica o tom e o tempo, e o influenciador humaniza a mensagem, dando legitimidade ao conteúdo gerado”, explica Senise.

Do outro lado, a União Progressista também explorou a mesma tecnologia para produzir peças que alimentam o medo do Estado inchado e a indignação com o custo de vida, segmentadas especialmente para a classe média e os empreendedores urbanos.

“A diferença agora é que não se trata mais de um marqueteiro criativo imaginando qual será o efeito de uma peça. É o algoritmo quem decide o tom, a imagem, o ritmo e até o momento ideal da publicação. Tudo é medido, testado, refinado em tempo real”, completa Senise.

O que esperar do futuro?

O uso dessas tecnologias levanta alertas sobre o empobrecimento do debate público e o aumento da polarização emocional. “A democracia entra em xeque, não apenas pelo risco de manipulação massiva, mas porque o cidadão deixa de exercer seu senso crítico e passa a reagir a estímulos fabricados para ele. É como se a IA sequestrasse até o nosso direito de dúvida”, avalia o especialista.

Para ele, a sociedade precisa agir com urgência. “Não podemos mais nos dar ao luxo de ser espectadores. Precisamos entender o funcionamento dessas máquinas, exigir regulamentação, transparência e educação digital. Ou a democracia evolui junto da tecnologia ou ficará à mercê dela”, conclui.


 

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