A estreia literária de Rodrigo Silveira com "Coisa Nenhuma" (Urutau, 2024) revela uma experiência de leitura singular, que permanece ecoando com o leitor após a última página. Longe de ser um mero apanhado de contos, a obra configura-se como uma cartografia incisiva e bem-humorada das fissuras da existência contemporânea. Silveira navega com destreza entre o absurdo palpável do cotidiano, a autorreflexão metalinguística e as profundezas da solidão e da busca por sentido. Sua prosa afiada, adornada com ironia e um humor por vezes cáustico, convida o leitor a confrontar as "coisas nenhumas" que, paradoxalmente, preenchem nossas vidas. O autor fará uma tarde de autógrafos e lançamento de seu livro no estande da editora Urutau, no dia 20 de junho, das 13h às 14h, durante a Bienal do Rio de Janeiro.
A estrutura fragmentada e a multiplicidade de vozes narrativas são um dos pilares da originalidade do livro. Transitamos da insólita busca amorosa de uma gaiola antropomorfizada à intrincada teia entre autor, narradora e personagem, experimentando a maleabilidade da linguagem e a porosidade das fronteiras ficcionais. A incorporação da autoficção e os fluxos de consciência, como o ácido monólogo do uruguaio misantropo, exigem do leitor uma postura ativa, recompensando-o com insights perspicazes sobre a condição humana e as idiossincrasias culturais.
O vazio, em suas diversas manifestações, emerge como um fio condutor potente. Seja aausência criativa, o buraco emocional ou o questionamento da própria existência, essatemática ressoa em contos como "menor significado", que nos confronta com a invisibilidade social através do olhar de um anão, e "nunca acaba", uma meditação sobre a eternidade e a inquietante falta de um princípio. A intrínseca relação entre arte e vida também se destaca, especialmente na melancólica e sarcástica narrativa da professora em Florença, revelando como a criação artística pode ser tanto refúgio quanto espelho da desilusão.
Alguns contos merecem atenção especial. A delicadeza de "o jogo das memórias" nos transporta para a fragilidade dos laços familiares e a natureza escorregadia da memória em um cenário hospitalar. Em contraste, o delírio psicotrópico de "coca zero é isso aí" oferece uma fuga surreal e hilária para um publicitário em crise. E a beleza reflexiva de "isso que não existe ainda" encerra a coletânea com uma poética exploração da paternidade e da ausência, através de um diálogo filosófico sobre o nada.
A maestria de Silveira na manipulação da linguagem é inegável. Ele transita com fluidez entre o coloquialismo e o lirismo, enriquecendo suas narrativas com referências literárias e culturais que vão de Rita Lee a Mohamed Mbougar Sarr, demonstrando uma erudição que se manifesta com leveza e propósito. A ironia e o humor sarcástico atuam como contraponto a momentos de vulnerabilidade genuína, conferindo uma profundidade emocional surpreendente à obra.
Ainda que a fragmentação e a densidade referencial possam representar um desafio para alguns leitores, a inventividade da prosa de Silveira e a riqueza de suas explorações temáticas tornam "Coisa Nenhuma" uma leitura instigante e memorável. O livro celebra a beleza da imperfeição, a busca por sentido em meio ao caos e a capacidade humana de encontrar lampejos de significado nas "coisas nenhumas" que compõem a tapeçaria da vida. Rodrigo Silveira firma-se como uma voz potente e original na literatura contemporânea, oferecendo uma obra que ressoa com inteligência e sensibilidade.
Sobre o autor:
Nasceu em Porto Alegre e vive em São Paulo. Publicou em coletâneas de contos e poemas organizadas por Noemi Jaffe, Márcia Denser e Nelson de Oliveira. Coisa Nenhuma é seu primeiro livro de contos.
FICHA TÉCNICA:
Título: Coisa Nenhuma
Autor: Rodrigo Silveira
Gênero: contos, literatura brasileira
Editora: Urutau
ISBN: 978-65-5900-748-6
Páginas: 120
Formato: 13x19
Ano: 2024
Preço: 52,00
Onde encontrar: https://editoraurutau.com/titulo/coisa-nenhuma
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ALEX YAN DA COSTA MENDES
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