Como grandes colecionadores estão moldando o mercado de arte no Brasil

A presença crescente de colecionadores privados revela uma transformação silenciosa do circuito das artes visuais, com impactos diretos na curadoria, nos preços e na projeção internacional da arte brasileira

ANDREIA SOUZA
03/06/2025 16h19 - Atualizado há 2 dias

Como grandes colecionadores estão moldando o mercado de arte no Brasil
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Nas últimas décadas, o Brasil vem assistindo a uma profissionalização progressiva no campo do colecionismo de arte. Se antes a aquisição de obras era associada quase exclusivamente ao gosto pessoal ou à ostentação, hoje grandes colecionadores desempenham um papel ativo na dinâmica do mercado, influenciando instituições, estimulando novos artistas e até mesmo alterando o rumo da crítica especializada. Essa mudança tem se dado por meio de investimentos mais estratégicos, abertura de acervos ao público e apoio a iniciativas culturais fora do eixo tradicional museológico.

Dados recentes do relatório Art Basel & UBS Global Art Market Report 2024 apontam que o Brasil figura entre os dez países com maior circulação privada de obras de arte na América Latina. Embora o mercado brasileiro ainda represente uma fatia modesta no cenário global (cerca de 0,5% das vendas mundiais), seu crescimento é sustentado, especialmente nas grandes capitais. O estudo indica ainda que há um movimento significativo de concentração de obras em mãos privadas – uma característica que, ao mesmo tempo, fortalece e desafia o ecossistema das artes visuais no país.

A atuação de colecionadores hoje vai muito além do ato de adquirir obras. Ela passa por responsabilidade histórica, curadoria criteriosa e apoio a processos criativos que, muitas vezes, não encontram respaldo institucional”, afirma a advogada e colecionadora Marta Sahione Fadel, cujo acervo inclui importantes nomes da arte contemporânea brasileira e latino-americana.

A presença de coleções privadas vêm moldando não apenas o que é produzido, mas também o que é legitimado como arte relevante. Em 2023, um levantamento do Instituto Itaú Cultural mostrou que mais de 30% das exposições realizadas em grandes museus brasileiros foram viabilizadas por empréstimos de acervos particulares. Em São Paulo, o Museu de Arte Moderna (MAM-SP) tem desenvolvido parcerias com colecionadores para compor suas mostras temporárias, como na exposição “Conexões Privadas”, em que 70% das obras pertenciam a coleções pessoais.

Outro dado revelador foi publicado pela Fundação Bienal de São Paulo em seu balanço de 2023: mais de 18% das obras expostas na última edição do evento eram de propriedade de colecionadores nacionais, o que evidencia a influência direta desse público na difusão da arte brasileira. Nesse contexto, surgem novas figuras de colecionadores-curadores, que assumem um papel de agentes culturais e não apenas de investidores.

“O colecionismo consciente é uma forma de militância cultural. Eu me interesso por artistas que provocam, que questionam padrões e que, muitas vezes, estão à margem do sistema. Dar visibilidade a essas vozes é, para mim, parte do compromisso de quem coleciona com propósito”, reforça Marta Fadel, que participa ativamente de circuitos de fomento à arte de mulheres e artistas racializados.

Além da atuação cultural, há um aspecto jurídico em constante evolução. O crescimento do número de colecionadores exige atenção especial a questões de autenticidade, sucessão patrimonial, direitos autorais e circulação internacional. Marta Fadel, que também é especialista em direito do patrimônio cultural, observa que “o Brasil ainda carece de políticas públicas mais claras para regular o colecionismo, especialmente em relação a incentivos fiscais, proteção de acervos e parcerias público-privadas”.

Nesse cenário, o perfil dos colecionadores também está mudando. Jovens herdeiros, executivos e até profissionais liberais têm ingressado no mercado com abordagens mais disruptivas, focando em arte digital, afro-brasileira, indígena e feminista. O papel das mulheres nesse campo também é crescente, tanto na produção quanto na curadoria e na aquisição.

“Ainda existe a ideia ultrapassada de que colecionador é um homem milionário com obras penduradas em salões suntuosos. A nova geração está provando que colecionar pode – e deve – ser um ato político, afetivo e socialmente engajado”, conclui a advogada Marta Sahione Fadel.

Com cada vez mais acervos privados ganhando visibilidade e protagonismo, o desafio do futuro será equilibrar essa força com a necessidade de garantir acesso público e memória coletiva. Para muitos, a resposta está no diálogo: entre colecionadores, instituições, artistas e o público. Um diálogo que Marta Fadel acredita ser essencial para que a arte cumpra seu papel transformador.

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Andreia Souza Pereira
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