Francisco dos Santos Dias Bloch*
Todo lojista de shopping center já se preocupou com as altas multas previstas no seu contrato de locação. É comum que esses contratos estabeleçam penalidades pesadas, às vezes no valor de três aluguéis ou mais, além de multas diárias, por diversas situações.
O Problema: Multas Abusivas
Situações como um pequeno atraso na abertura da loja, ou um erro ao informar o faturamento mensal para o cálculo do aluguel percentual, podem gerar multas contratuais. E frequentemente essas penalidades são desproporcionais em relação à falha ocorrida. Multas diárias, em especial, podem rapidamente atingir valores exorbitantes.
Embora comuns nos contratos de shopping, muitas dessas penalidades extrapolam os limites do razoável. Nesses casos, é possível que o lojista busque o Poder Judiciário para revisar e potencialmente reduzir o excesso cobrado nessas penalidades.
O Que Diz a Lei?
Embora os contratos de locação em shoppings tenham regras específicas (previstas na Lei do Inquilinato, Lei 8.245/91), que dão liberdade para negociar certas condições, esses contratos não estão acima das normas de ordem pública (leis que não podem ser afastadas pela vontade das partes), como algumas disposições do Código Civil e Código de Processo Civil[i].
O Código Civil brasileiro estabelece regras importantes para proteger as partes em um contrato e garantir o equilíbrio, evitando abusos e o chamado "enriquecimento sem causa" (situação que ocorre quando uma parte lucra excessivamente às custas da outra sem um motivo justo). Essas regras são de ordem pública, ou seja, valem para todos e não podem ser afastadas pelo contrato.
Quando uma Multa Contratual Pode Ser Reduzida?
O Código Civil (especialmente os artigos 412 e 413) define limites claros para as multas contratuais, incluindo aquelas por descumprimento de "obrigações de fazer" (como manter a loja aberta em horários específicos, ou apresentar informações de venda da loja) ou "não fazer" (como não realizar promoções fora do período permitido):
Ao analisar se a multa é excessiva, o juiz considera a gravidade da falha, se foi a primeira vez que ocorreu, e se a multa gera um lucro injusto para o shopping. Um descumprimento pontual de horário, por exemplo, dificilmente justificaria uma multa de três ou mais aluguéis.
Decisões Judiciais Confirmam a Redução
Os tribunais brasileiros, incluindo o Tribunal de Justiça de São Paulo[ii] e o Superior Tribunal de Justiça (STJ)[iii], têm confirmado que essas regras do Código Civil se aplicam aos contratos de shopping. É possível reduzir multas (sejam elas pela rescisão antecipada do contrato ou pelo descumprimento de cláusulas específicas) quando são consideradas abusivas. Isso vale inclusive para multas diárias sem um limite máximo definido.
Conclusão: Limites Legais às Multas Contratuais em Shoppings
Os contratos de locação de espaços comerciais em shopping centers, embora contenham condições específicas negociadas entre as partes, estão sujeitos aos limites impostos pelas normas gerais de ordem pública, especialmente as do Código Civil brasileiro. Isso é particularmente relevante no que diz respeito às multas contratuais aplicadas aos lojistas, incluindo aquelas decorrentes do descumprimento de obrigações de fazer ou não fazer.
Conforme detalhado, penalidades que se mostrem manifestamente excessivas, desproporcionais à falha cometida, ou que ultrapassem o valor da própria obrigação principal descumprida, não são absolutas. A legislação e as decisões judiciais reiteram que tais multas podem e devem ser revistas pelo Poder Judiciário, buscando restabelecer o equilíbrio contratual e impedir o enriquecimento indevido de uma das partes.
Portanto, é fundamental que os lojistas estejam cientes que cláusulas penais que imponham multas excessivas são passíveis de questionamento e redução judicial.
*Francisco dos Santos Dias Bloch é mestre e pós-graduado em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). É advogado formado pela PUC/SP, e atua em São Paulo, no escritório Cerveira Advogados Associados (www.cerveiraadvogados.com.br), nas áreas de Direito Imobiliário e Direito Contencioso Cível.
[i] Lei 8.245/91: “Art. 79. No que for omissa esta lei aplicam-se as normas do Código Civil e do Código de Processo Civil.”
[ii] Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Apelação 9174031-31.2009.8.26.0000, julgamento 16/4/2012: “Por outro lado, como bem assinalado pelo magistrado de primeiro grau, a cláusula penal revela-se excessiva e abusiva. Trata-se matéria de ordem pública, que pode e deve ser conhecida a qualquer tempo e grau de jurisdição. O artigo 413, do atual Código Civil (correspondente ao art. 924, do CC de 1916), dispõe que a cláusula penal deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio. No caso vertente, a multa de R$ 118.800,00, estabelecida na cláusula 21ª do instrumento, é superior até mesmo ao débito principal (R$ 116.919,00), em ofensa ao disposto no art. 412, do CC, sendo certo que o adimplemento ocorreu com atraso de apenas 24 dias. Evidente, portanto, que a manutenção da multa no patamar ajustado implicaria enriquecimento sem causa do exequente, em ofensa aos princípios da boa-fé e da função social do contrato.” Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Apelação 1109772-37.2021.8.26.0100, julgamento 22/02/2024: “Logo, a multa deve ser reduzida a 10% do valor da taxa inicial da franquia de R$60.000,00 (sessenta mil reais) (cláusula 3.1 fl. 97), conforme autoriza o artigo 413 do Código Civil, também em analogia ao que prevê a Lei de Usura, evitando-se o enriquecimento ilícito da embargada, o que é vedado pelo artigo 884, do Código Civil.” Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Apelação Cível 1009654-84.2020.8.26.0004, julgamento 4/07/2023: “Obrigação de fazer imposta pela cláusula terceira do distrato no sentido de alterar endereço no CNPJ, sob pena de mula de R$ 1.000,00 por dia de descumprimento - Ausência de fixação de um "teto" a conduzir a multa ao valor exorbitante - Abusividade - Necessidade de atribuição de um limite, utilizando o percentual de 10% do valor da dívida confessa - Possibilidade de redução das penalidades com base no artigo 413 e 884 do Código Civil.”
[iii] Superior Tribunal de Justiça, REsp n.º 1.353.927-SP, 4ª Turma, julgamento 17/05/2018: “(...) à luz do disposto no artigo 413 do referido Codex (transcrito alhures), a redução da cláusula penal pelo magistrado deixou de traduzir uma faculdade restrita às hipóteses de cumprimento parcial da obrigação (artigo 924 do Código Civil de 1916) e passou a consubstanciar um poder/dever de coibir os excessos e os abusos que venham a colocar o devedor em situação de inferioridade desarrazoada. Superou-se, assim, o princípio da imutabilidade absoluta da pena estabelecida livremente entre as partes, que, à luz do código revogado, somente era mitigado em caso de inexecução parcial da obrigação. O controle judicial da cláusula penal abusiva exsurgiu, portanto, como norma de ordem pública, objetivando a concretização do princípio da equidade - mediante a preservação da equivalência material do pacto - e a imposição do paradigma da eticidade aos negócios jurídicos. Nessa perspectiva, uma vez constatado o caráter manifestamente excessivo da pena contratada, deverá o magistrado, independentemente de requerimento do devedor, proceder à sua redução, a fim de fazer o ajuste necessário para que se alcance montante razoável, o qual, malgrado seu conteúdo sancionatório, não poderá resultar em vedado enriquecimento sem causa. Por sua vez, em havendo o cumprimento parcial da obrigação, deverá o juiz, à luz do princípio da equidade, verificar se o caso reclamará ou não a redução da cláusula penal fixada, afigurando-se razoável evitar situação em que o adimplemento inferior ao contratado revele-se mais vantajoso que sua satisfação integral” E, mais adiante, pontuou: o caso enquadra aplicação do “Enunciado 357 da IV Jornada, segundo o qual: Enunciado 357: O art. 413 do Código Civil é o que complementa o art. 4º da Lei n. 8.245/91”
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MURILO DO CARMO JANELLI
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