As mudanças climáticas são uma realidade difícil de aceitar, porém, elas deixaram de ser abstrações para se tornarem parte concreta da vida cotidiana. De acordo com o relatório do Copernicus – agência de monitoramento climático da Europa – 2024 foi o ano mais quente da história. A temperatura média global do planeta ultrapassou pela primeira vez a marca de 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais. Nesse contexto, ainda temos a saída dos EUA do acordo de Paris, podendo tornar o cenário de aumento da temperatura global ainda mais ameaçador.
O calor sufocante em cidades que nunca registraram temperaturas tão altas, as enchentes devastadoras no sul do Brasil e os incêndios que consomem regiões da Califórnia são sinais de um mundo onde a relação entre ação humana e natureza alcança novos patamares.
Mas, como explicar aos agricultores, que por décadas negligenciaram práticas sustentáveis, e às celebridades, que ostentam jatinhos particulares para voos de três minutos, que agora são obrigados a lidar diretamente com os impactos de suas escolhas?
Estamos no Antropoceno, uma era geológica definida pelo químico holandês Paul Crutzen como período caracterizado pela influência sem precedentes da atividade humana nos sistemas naturais do planeta. No entanto, muitos ainda entendem os eventos extremos como um castigo divino, reforçando uma visão de natureza separada e alheia às próprias ações humanas. A ciência mostra, contudo, que eventos como enchentes e queimadas não são apenas "fatalidades": são o resultado de décadas de emissões de gases de efeito estufa (GEE), desmatamento, uso irresponsável do solo e consumo desenfreado de combustíveis fósseis.
Os agricultores do Rio Grande do Sul (RS) são um exemplo. A região enfrenta enchentes cada vez mais intensas, agravadas pela perda de vegetação nativa, impermeabilização do solo e canalização de rios. Ao mesmo tempo, muitos mantêm práticas que exacerbam esses efeitos, como o cultivo intensivo de monoculturas, uso de agroquímicos poluentes e o desrespeito a áreas de preservação. No evento de chuvas intensas em abril de 2024, 206 mil propriedades foram afetadas no RS.
Atualmente, na Califórnia, a situação é igualmente preocupante. Celebridades que por anos ignoraram a pegada ecológica de seus estilos de vida, como voos curtos em jatos particulares ou o desperdício de água para manter mansões e jardins exuberantes, agora enfrentam uma natureza que "responde" com incêndios devastadores. Os ventos de Santa Ana, que são secos e impulsionam os focos de fogo na região, não são novidade, mas sua intensificação tem sido amplamente atribuída às mudanças climáticas.
Embora as emissões de GEE sejam concentradas em grandes centros industriais e países desenvolvidos, os impactos climáticos transcendem fronteiras. De acordo com a Organização Mundial de Meteorologia e a ONU, pequenas nações insulares, por exemplo, enfrentam aumento do nível do mar e eventos climáticos extremos, mesmo contribuindo de forma irrisória para as emissões globais. Este desequilíbrio evidencia uma justiça climática distorcida, onde quem menos contribui muitas vezes é quem mais sofre.
Os eventos no Rio Grande do Sul e na Califórnia também revelam como a interconexão climática expõe vulnerabilidades até em regiões ricas. Quando incêndios interrompem a rotina de Los Angeles, inclusive o calendário de eventos como o Oscar, e enchentes destroem colheitas no Brasil, a relação entre causa e consequência climática se torna inevitável.
Os incêndios que obrigam celebridades a abandonar mansões e as enchentes que arrasam comunidades rurais são parte de um sistema que reage ao desequilíbrio imposto pelas ações humanas. A aceitação dessa dinâmica é essencial para mudar comportamentos e exigir ações de autoridades globais. E enquanto o mundo continuar emitindo GEE em ritmo acelerado, a natureza continuará a responder.
*Larissa Warnavin é geógrafa, mestre e doutora em Geografia. Docente da Área de Geociências do Centro Universitário Internacional Uninter.
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JULIA CRISTINA ALVES ESTEVAM
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