Divulgação Marcelo Aith* Tramita na Câmara dos Deputados um Projeto de Emenda à Constituição (PEC) que possibilita ao Congresso Nacional atuar como órgão revisor das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). Referida proposta busca acrescentar o seguinte inciso ao artigo 49 da Carta Magna: “XIX – deliberar, por três quintos dos membros de cada Casa legislativa, em dois turnos, sobre projeto de Decreto Legislativo do Congresso Nacional, apresentado por 1/3 dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, que proponha sustar decisão do Supremo Tribunal Federal que tenha transitado em julgado, e que extrapole os limites constitucionais.”
Não há dúvida que se trata de uma proposta materialmente inconstitucional, que fere, frontalmente, os artigos 2º e o parágrafo 4º, inciso III, do artigo 60, ambos da Constituição Federal.
O artigo 2º estabelece que são “Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. E o parágrafo 4º, inciso III, do artigo 60, por sua vez, preconiza que “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (…) III - a separação dos Poderes”.
A proposta impõe exatamente a quebra da independência entre os Poderes, rompendo com a cláusula da separação dos poderes da República, na medida em que permite que o Congresso Nacional (Poder Legislativo Federal), suste decisões do Supremo Tribunal Federal (órgão máximo do Poder Judiciário), quando entender que houve extrapolação dos limites constitucionais.
A separação dos poderes é essencial para a manutenção da democracia e da justiça, e garante a liberdade e os direitos dos cidadãos. No Brasil, a separação dos poderes continua a ser um princípio fundamental da organização do Estado.
A doutrina da separação dos poderes encontrará em John Locke e Montesquieu seus grandes sistematizadores; o inglês, pioneiro, através do Segundo tratado sobre o governo civil e o francês no célebre “Do Espírito das Leis”.
A ideia como adotada pelas constituições modernas decorrem do pensamento de Montesquieu, filósofo e político francês do século XVIII, que teve uma influência significativa no desenvolvimento do pensamento político moderno, que propunha a divisão do poder em três grandes funções: legislativa, executiva e judiciária.
O Poder Legislativo, em síntese, é responsável pela criação e modificação das leis, que vão regular a vida em sociedade. Já Poder Executivo, resumidamente, tem por função executar as leis e administrar o Estado. Por fim, o Poder Judiciário tem por principal função interpretar as leis ao caso concreto, buscando a pacificação dos conflitos sociais.
A Constituição de 1988 estabelece a sujeição ao princípio da separação dos poderes, reafirmando a necessidade da independência e harmonia entre ele.
Por independente, entende-se que os poderes devem funcionar de forma autônoma, sem interferência de um poder em relação as atribuições do outro. Ou seja, o Poder Judiciário não pode interferir em questões interna corpuris do Poder Legislativo, da mesma forma que este não poder se arvorar na função judicante como se fosse um órgão revisor. Portanto, a independência é a ausência de subordinação, de hierarquia entre os Poderes; cada um deles é livre para se organizar e não pode intervir indevidamente (fora dos limites constitucionais) na atuação do outro.
Harmonia, por sua vez, significa colaboração, cooperação, com escopo de garantir que os Poderes expressem uniformemente a vontade da União. Ou seja, os Poderes devem trabalhar em conjunto, de forma harmônica, para o bom funcionamento do Estado.
Há que se destacar, por oportuno, que a independência entre os poderes não é absoluta, encontrando limites pelo sistema de freios e contrapesos, o qual possibilita a interferência legítima de um Poder sobre o outro, nos limites estabelecidos constitucionalmente. Dessa forma, extrai-se do texto constitucional que o Poder Executivo tem o poder de veto sobre leis propostas pelo Legislativo, por entendê-la, por exemplo, inconstitucional. O Legislativo pode limitar o Executivo, por exemplo, ao aprovar ou rejeitar nomeações feitas pelo presidente para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, bem como tem o poder de impeachment. O Judiciário, por sua vez, pode declarar leis ou atos do Executivo como inconstitucionais, limitando assim os outros dois poderes.
No entanto, sob pena de ferir a independência entre os poderes, o Poder Legislativo não pode se imiscuir na função judicante para sustar decisões do Supremo Tribunal Federal. Seja a que pretexto for. Essa invasão na esfera de atuação de um poder é vedada pela Constituição, inclusive através das emendas constitucionais tendentes a abolir a independência entre os poderes.
Ademais, outra iniquidade da PEC consiste na permissão conferida ao Congresso Nacional de estabelecer o que seria uma decisão do STF que “extrapole os limites constitucionais”. Qual o parâmetro que seria utilizado? Não há dúvida que se trataria de uma arma perigo nas mãos de um órgão político (Poder Legislativo), que poderia impor a sua vontade e ideologias ao arrepio da própria constituição, uma vez que teria a última palavra em toda matéria constitucional.
Dessa forma, a PEC que permite ao Congresso Nacional agir como órgão revisor do STF é absolutamente inconstitucional, por flagrante afronta a independência entre os poderes da República e deveria ser arquivada já na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Mas uma CCJ ideologicamente cooptada jamais irá reconhecer isso, infelizmente.
*Marcelo Aith é advogado criminalista. Mestre em Direito Penal pela PUC-SP. Latin Legum Magister (LL.M) em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa – IDP. Especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidade de Salamanca. Notícia distribuída pela saladanoticia.com.br. A Plataforma e Veículo não são responsáveis pelo conteúdo publicado, estes são assumidos pelo Autor(a):
CAIO FERREIRA PRATES
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