“O excesso de judicialização é uma das causas do alto custo da aviação civil no Brasil”, declarou Pereira durante um seminário que ocorreu nesta terça-feira (27), em Brasília, e durante o qual a Anac e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) assinaram um acordo de cooperação técnica.
De posse das informações, a Escola Nacional de Magistratura, que é gerida pela AMB e intermediadora do convênio, realizará, em parceria com a Anac, seminários, conferências, pesquisas e reuniões que ajudem a “embasar os magistrados em suas decisões”.
“Queremos garantir o acesso de todos à Justiça e proteger os direitos dos consumidores. Mas precisamos enfrentar a advocacia predatória nas causas judiciais e combater a atuação dos sites que compram o direito do passageiro de acionar a empresa aérea mesmo quando não há responsabilidade por parte dessa empresa. Essa parceria vai nos ajudar a encontrar soluções para atender a todos”, afirmou o diretor-presidente da Anac, em nota divulgada pela agência.
Durante o seminário, promovido pela Anac e pela AMB, a presidenta da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Jurema Monteiro, participou de um painel sobre os “impactos da cultura de judicialização”, tema que classificou como “uma questão central para a indústria”. Ao defender “menos barreiras”, Jurema afirmou que, enquanto nos Estados Unidos, uma ação judicial contra empresas aéreas é ajuizada a cada grupo de 1,25 milhão de passageiros, no Brasil, há um processo judicial para cada 227 passageiros embarcados.
“Não estamos falando de um fato isolado, mas de um fenômenos que o Brasil está vivendo e que é uma questão cultural”, comentou Jurema, segundo nota divulgada pela própria Abear. Segundo Jurema, ainda que haja casos em que o consumidor de fato faz jus a ressarcimento ou indenização, há outros casos “complexos”, como os que a Anac classifica como “advocacia predatória”.
Entrevistado pela Agência Brasil nesta quinta-feira (28), o diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Vitor Hugo do Amaral, reconheceu o aumento da judicialização, mas ponderou que, muitas vezes, os consumidores precisam recorrer à Justiça porque, no âmbito administrativo, as companhias aéreas não dão respostas satisfatórias a problemas como atrasos e cancelamentos de voos ou extravios de bagagem, entre outras questões.Para o diretor, é preciso refletir sobre a diversidade de fatores que incidem nesta questão.
"Ao comprar uma passagem, o consumidor só quer viajar no horário marcado, com segurança, chegar ao seu destino no horário estipulado e receber sua bagagem. Não cremos que ele adquire o bilhete com a intenção prévia de ajuizar uma ação. Se, porventura, há algum contratempo ou ele sofre algum dano, ele primeiro tende a procurar a empresa aérea responsável. E se esta não é capaz de oferecer, na seara administrativa, uma resolução satisfatória, é justo que o consumidor possa ajuizar uma ação. Vai ficar a critério do Poder Judiciário reconhecer se houve ou não violação de direitos no caso em questão”, comentou Vitor Hugo.
o diretor do Ministério da Justiça defende que a judicialização, em qualquer setor, é resultado de diversos fatores, assim como o aumento dos preços das passagens. "Temos sim que fazer um amplo debate sobre a judicialização no setor aéreo, mas sem condená-la previamente. Tampouco devemos condenar consumidores que buscam a reparação de danos sofridos ou repassar aos consumidores os ônus da operação das companhias. Pelo lado dos consumidores, o que discutimos é a necessária ampliação dos canais de comunicação e atendimento aos consumidores”, disse o diretor.
Advogado do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), Igor Marchetti, afirmou que a assinatura do acordo preocupa à organização, que há décadas monitora a prestação de serviços de transporte aéreo. “Percebemos, nos últimos anos, um aumento das queixas e uma fragilidade na atuação da Anac contra as empresas. Daí termos ficado preocupados ao saber do acordo. Em vez de fiscalizar e questionar as companhias em casos de serviços mal prestados, a Anac prefere questionar os passageiros que levam suas queixas ao arbítrio da Justiça. Para nós, isso é problemático. Inclusive porque, obviamente, os cidadãos, a parte vulnerável nesta relação, não foram consultados sobre o assunto”, comentou Marchetti, associando parte das disputas nos tribunais a uma “divergência” entre o Código de Defesa do Consumidor e normas da Anac que, segundo o advogado, tendem a beneficiar os interesses das empresas.
“Se as resoluções da Anac estivessem em consonância com o Código de Defesa do Consumidor e com as leis gerais, não teríamos tantas ações judiciais. Porque como as resoluções falam uma coisa e a legislação fala outra, as empresas se atém às resoluções, restando ao consumidor lesado recorrer à Justiça. Pode haver um ou outro caso injustificado, mas isso está longe de ser a regra”, finalizou o advogado.