Ao todo, seis indígenas foram internados e dois deles apresentam estado grave de saúde, em um cerco semelhante a uma caça, de acordo com informações do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Os fazendeiros, produtores de soja e milho, abriram fogo por volta das 23h de ontem (27) e continuaram atirando madrugada adentro. Segundo relatos do Cimi, o grupo adotou uma tática parecida à caça de javalis que ocorrem à noite com o uso de armas que geram estilhaços e atingem o que estiver ao redor.
Avá guarani jovens transmitiram ao vivo, em uma rede social, a perseguição. Pelo vídeo, foi possível ouvir os disparos e gritos dos indígenas e, em meio à escuridão, notar luzes das caminhonetes e os efeitos dos tiros.
"O Cimi Regional Sul repudia veementemente os ataques e a violência praticada de forma corriqueira, cruel e articulada pelo agronegócio", afirma a entidade, em nota.
Em entrevista à Agência Brasil, o missionário Roberto Liegbott ressalta que a tensão, no local, é antiga e que o processo de demarcação do território chegou a ser suspensa por decisão judicial. Com isso, a demarcação estacionou na etapa de delimitação, realizada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), em 2018.
Segundo ele, o que dava esperança aos indígenas era a anulação da tese do marco temporal, o que não se concretizou, por articulação do Congresso Nacional. O marco temporal assegurava aos indígenas o direito a territórios que já ocupassem ou reivindicassem no dia da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. Liegbott conta que, dias depois de os parlamentares derrubarem os 34 vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a Lei 14.701, em dezembro de 2023, houve ataques dos fazendeiros contra os avá guarani, que também envolveram armas de fogo.
Outra estratégia tem sido a de criminalizar lideranças indígenas, alegando, por exemplo, invasão de propriedade privada. A terra indígena contempla os municípios de Guaíra, Altônia e Terra Roxa, todos no Paraná, e os rios Paraná, Taturi, Ribeirão Tapera e a região da Volta Grande do Piquiri.
"Por meio do Ministério dos Povos Indígenas, o governo conversou com os indígenas, os fazendeiros e parecia haver um certo acordo de pacificação. E o que aconteceu no Paraná agora? Hoje começam as reuniões da Comissão de Conciliação do Supremo Tribunal Federal e, à noite, eles articularam esse ataque", afirma o missionário, referindo-se à comissão que vai discutir a constitucionalidade do marco temporal nesta quarta-feira (28), na segunda audiência de conciliação.
De acordo com o Cimi, agentes de segurança estão atuando em prol dos fazendeiros. No mês passado, a Funai afirmou que se mantém alerta aos conflitos desde o início e que sua Coordenação Técnica Local (CTL), em Guaíra, conta com o apoio da Força Nacional, do Batalhão de Polícia Militar de Fronteira (BPFron), da Polícia Militar do Paraná e a Polícia Federal (PF).
Há ocorrências de alimentos, pertences e casas de avá guarani queimadas pelos fazendeiros e ameaças com tratores. Outra dificuldade já reportada anteriormente, pela própria Funai, é a decisão de um juiz da 2ª Vara Federal de Umuarama que proibiu a autarquia de distribuir lonas, madeira, ferramentas e outros materiais que pudessem ser aproveitados para a construção de abrigos/moradias às retomadas avá guarani.
"O que nos preocupa é o seguinte: as forças de segurança provavelmente têm essas informações. E elas não estavam ali para agir e, quando chegaram, não chegaram para coibir", diz o missionário.
Em nota encaminhada à reportagem da Agência Brasil, o Ministério da Justiça e Segurança Pública informou que a Força Nacional está presente na região desde 19 de janeiro deste ano. A equipe deve permanecer, pelo menos, até o dia 8 de novembro.
A pasta confirmou o recebimento de denúncias do conflito. As informações são de que o embate se dava entre moradores do bairro Eletrosul e indígenas, e que a causa seria uma disputa fundiária. "Em resposta, Força Nacional, Polícia Federal (PF), Funai e órgãos de segurança pública estaduais e municipais rapidamente se deslocaram à região para conter o conflito, ação que foi feita com sucesso."
"A Polícia Federal já iniciou investigações para apurar a responsabilidade criminal dos envolvidos no conflito. A Força Nacional permanece realizando patrulhamento na região para garantir a segurança dos indígenas e da população local", emenda.
Também procurada pela Agência Brasil, o braço da PF no Paraná enviou mensagem idêntica à do ministério, quanto à atuação dos agentes. A corporação adicionou, ainda, que especialistas realizaram perícia no local do conflito.
*Matéria ampliada às 18h46 para inclusão de nota do Ministério da Justiça