Arquivo/João Carlos Dalmagro Júnior Como explicou Umberto Galimberti, o problema da racionalidade técnica é que, levada às últimas consequências, prevê a eficiência e a produtividade como valores soberanos. O Direito, produto cultural de uma determinada época, não escapa a essa perspectiva.
O encerramento do primeiro semestre judicial de 2024 preocupou o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em razão da avassaladora quantidade de novos processos, em especial dos pedidos de Habeas Corpus, que têm aumentado de forma exponencial nos últimos anos.
De acordo com a ministra Maria Thereza de Assis Moura, presidente da Corte, o acervo do Tribunal aumentou em 15 mil processos em relação ao final de 2023, passando de 317,9 mil para 332,7 mil. A classe dos Habeas Corpus é onde se encontra a maior concentração desse acúmulo: entre janeiro e maio de 2023, o STJ recebeu 33,3 mil novos pedidos de HC. Em 2024, no mesmo período, o número subiu em 13% e alcançou a marca de 37,5 mil.
Conforme a explanação da ministra Maria Thereza ao apresentar o balanço do semestre, uma das possibilidade para desafogar a demanda seria aprovar o projeto que regulamenta o Filtro da Relevância, criado em 2022 pela Emenda Constitucional (EC) 125. De acordo com essa alteração constitucional, o STJ só deve julgar as questões federais que as partes comprovem ser relevantes (saber o que é de fato relevante, já é um problema à parte), o que, ao que se estima, reduziria de 30% a 40% do número de causas que aportam no Tribunal todo ano. São consideradas causas de relevância presumida as ações penais, as de improbidade administrativa, as cujo valor ultrapasse 500 salários mínimos, as que possam gerar inelegibilidade e as que contrariam a jurisprudência do Tribunal. Mas, por decisão do próprio STJ, o filtro só será implementado na prática após o Congresso Nacional regulamentá-lo por meio de lei.
Agora entrou em cena uma outra técnica que, sob o mesmo pretexto de desafogar a Corte, pode alijar ainda mais a advocacia: está em discussão o Projeto de Emenda Regimental 125, que amplia o rol de processos suscetíveis de julgamento em meio virtual para todos os feitos de competência do Superior Tribunal de Justiça.
Hoje, só são julgados virtualmente os recursos de Embargos de Declaração, Agravo Interno e Agravo Regimental, quando não há divergência de votos. Além disso, esses processos podem, a critério dos ministros, ser destacados e encaminhados à sessão de julgamento presencial. Ao apreciar a Emenda Regimental, a Corte também decidirá a possibilidade de pedido de vista virtual, apresentação de voto divergente e intervenções de advogados para esclarecimentos de fato (hoje o sistema permite apenas o envio de sustentação oral nos casos de Agravo Regimental).
Inicialmente prevista para a noite de 7 de agosto, a reunião dos ministros, que ocorreu a portas fechadas, não levou a um consenso sobre a pauta. Assim, nova análise está agendada para 28 de agosto. É razoável admitir que a advocacia está apreensiva com o resultado dessa decisão, que poderá aproximar a prática de julgamentos do STJ com a que que de regra já ocorre no STF. Afinal de contas, é mais do que legítimo esperar e exigir que as advogadas e advogados possam fazer uso da palavra e acompanhar, ao vivo, os debates dos julgadores acerca das teses sustentadas. Com os julgamentos virtuais isso não acontece.
Se, de um lado, a quantidade de processos que ingressam e tramitam no Poder Judiciário é desproporcional aos recursos e capacidades humanas que deveriam lhes dar vazão, a premência e a busca pelo mero desafogar da demanda afetam o Direito, que corre o risco de sucumbir diante de mensurações quantitativas.
A advocacia e os direitos dos jurisdicionados são conquistas democráticas. Como tal, não merecem serem tratados como números.
João Carlos Dalmagro Júnior é advogado criminalista, mestrando em Ciências Criminais (PUC-RS).
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Larissa Braga Ierque
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